domingo, 19 de julho de 2009

O que ficou de mim

E de mim, o que ficou em tu? Ficou ao menos a lembrança da minha voz ao telefone? O meu cheiro na tua roupa? Ficou o medo de me perder? Ficou o lado no qual eu dormia na cama, mais fundo? Ficou um prato sujo? O que ficou?

Ficou minha digital no abajour, e também ficou meu lençol, isso eu deixei! Ficou também uma cadeira vazia na mesa de jantar, ficou um prato a menos pra você lavar, ficou o silêncio da minha ausência que, por ora, não significa paz, e sim tédio. E tudo que não fosse material eu quis levar, tudo que tivesse sentimento, tudo que tocasse sem sentir.

E ainda hoje, ficam pedaços meus flutuando sobre teu mundo, que às vezes você encontra numa música, num gesto alheio que te lembre o meu, na superstição que carregas por minha causa, na tua casa, no teu vestido novo que não teve os meus elogios, que hoje não tens igual. Ficou um pouco da minha cultura em você, só um pouco.

Ficou o medo de ficar só, não foi?
Ficaste sem minhas cócegas, sem teu homem protetor, sem meu tato, e sem contato.
Ficou a distância, que vai além de qualquer quilometragem, a infinita distância de um desprezo, ficou!

E teus dias? ficaram sem graça, sem mim, sem som, sem sol.

Ficou um rio de lágrimas escorrendo sobre teu rosto e inundando teu coração que boiou nessa enchente lacrimal, onde nadas até hoje.

Ficou sem sono, no dia do nosso aniversário, não ficou?

E de tudo que ficou, do lençol, do abajour, da canção, da lembrança, de tudo isso, nada te sufoca mais do que a saudade que eu deixei, eu sei.

Mariano Sá

Texto inspirado no poema Resíduo de Carlos Drummond de Andrade.
Vide http://letras.terra.com.br/carlos-drummond-de-andrade/1221853/